Segundo pesquisas realizadas pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 77,7% das famílias no Brasil estão endividadas, seu maior nível em 12 anos.
Quando as pessoas se endividam, além da inserção em órgãos de proteção ao crédito, como SPC e Serasa, os credores podem solicitar outras medidas contra o devedor. Mas será que a apreensão de documentos é uma opção? Descubra no texto de hoje.
Medidas atípicas
As medidas atípicas são aquelas consideradas medidas de coerção indiretas e psicológicas, como apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), do passaporte e cartões de crédito.
A possibilidade da aplicação das medidas atípicas surgiu após a reformulação do Código de Processo Civil (CPC), promulgado em 2015. O objetivo era garantir o cumprimento de determinadas obrigações, incluindo ordens judiciais de quitação de dívidas.
Essa permissão acabou dividindo opiniões de especialistas, advogados e magistrados, em relação aos seus limites e à possibilidade de infringir direitos constitucionais.
Mas é preciso entender que, antes de determinar essas medidas atípicas, o juiz deve se certificar de que há indícios de que o devedor possui o patrimônio necessário para cumprir a obrigação.
Além disso, o juiz deve esgotar todos os meios típicos estabelecidos em lei para a satisfação do crédito, já que, as medidas atípicas só devem ser aplicadas de forma subsidiária.
A ministra Nancy Andrighi destacou que, para evitar a restrição de direitos de forma indevida, com riscos de violação a princípios constitucionais, primeiramente é necessária a intimação do executado pelo magistrado, para que quite o débito ou apresente bens destinados a paga-lo.
Caso seja necessária a utilização de medidas coercitivas indiretas, o juiz deverá fundamentar sua decisão a partir das circunstâncias específicas do processo, não sendo suficiente a menção ao texto do CPC.
Devedor de alimentos
Quando a pensão alimentícia é fixada pelo juiz em um processo judicial, o devedor deve cumprir as obrigações estabelecidas. Se não o fizer de forma espontânea, será necessário recorrer novamente ao Poder Judiciário, para que se dê início a uma ação de execução.
Existem várias medidas que podem ser tomadas que visam a satisfação do crédito, como penhora de valores em conta corrente ou poupança, penhora sobre automóvel, dentre outras.
Mas nem sempre o devedor tem bens em seu nome, porém, realiza uma série de atos que demonstram que tem poder aquisitivo elevado. Foi daí que surgiu a ideia de apreensão do passaporte.
Essa escolha leva em consideração o caso concreto, ou seja, se a pessoa tem um passaporte, viaja com frequência ao exterior.
Exemplo prático
Um devedor impetrou ordem de habeas corpus contra a apreensão de seu passaporte, determinada em ação de execução de dívida alimentar.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou decisão de segunda instância, que negou tal pedido ao concluir que o devedor não demonstrou a alegada dificuldade financeira para quitar o débito.
O executado recusou-se a pagar, por sete anos, o valor fixado em sentença alegando uma precária situação financeira, mas continuou a residir em endereço nobre e fazer viagens internacionais inclusive com passagens de primeira classe.
Nesse caso, a colisão entre o direito do credor, de receber o valor determinado em sentença, e do devedor, de se locomover para fora do país, deve se resolver a partir de variáveis fáticas presentes no caso concreto, punindo qualquer comportamento abusivo das partes.
Para o ministro Marco Buzzi “Não é correto o devedor deixar de pagar uma dívida e utilizar-se desses valores para, como no caso dos autos, ostentar um padrão de vida luxuoso”, lembrando que o débito foi reconhecido em decisão judicial.
Segundo o ministro, no caso acima não houve violação do direito à liberdade. A apreensão do passaporte visava apenas reprimir o comportamento do executado que, mesmo demonstrando condições com seus atos, se recusava ao pagamento da dívida.
Buzzi ainda completou: “A apreensão do passaporte para forçar o devedor ao adimplemento de uma obrigação não viola o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade, porquanto o devedor poderá, mesmo sem aquele documento, transitar normalmente pelo território nacional e, inclusive, em países do Mercosul”.
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